assemelhava-se a um fantasma
que só à noite
quando o dia morria
tirava a sua fantasia
e interpelava
o outro lado de sua alegria.
Anna Dulce Pelajo
rosto que a carregou nua
como rolando nasceu
rosto que outro rosto brilhou
à penumbra conquistando
rosto que então secou
com a romaria do vento
que ventou em ventania.
Anna Dulce Pelajo
nega o músculo a razão do movimento
desfalece pela angústia da perfeita escalada
adormece profundo na emergência da definição
vencido e perdido em meio à multidão.
impossível definir a vitalidade perecida
essa possível e aflita solidão consumida
no murmúrio antigo e agonizante do meio-dia
hora de obrigação do sol, posse da vida.
Anna Dulce Pelajo
Imagem: Alfie Scheinman. "Multidão em rua de Liverpool"
o amor que amo
um amor de amor
o amor cheio de amor
é o meu amor.
Anna Dulce Pelajo
ai, que dengo gostoso
refletindo esse cansaço malicioso
o cheiro sabor de ternura
a vibrar pela agonia do perfume
o querer com mania de aconchego
gozando a maravilha de brinquedo.
Anna Dulce Pelajo
depois de uma noite
purificada em sonhos
além de tanta preguiça
rolando pelo travesseiro
larguei as manhas do lençol
e pisei mais um amanhecer.
Anna Dulce Pelajo
elefantes
eles no mínimo são fortes
leais, alegres, generosos
perseverantes, aprendizes.
uma família de elefantes
não morre nunca
quando muito
parte à procura
de novas conquistas.
Anna Dulce Pelajo
em milhares de penas alaranjadas
passos e passos continuados
se exibem flamingos e flamingos
lindas aves milenares
em cenário de incomum beleza.
Figuram como símbolos da alma
motivando o encanto da luz
e de nossos deslumbrados olhares.
Anna Dulce Pelajo
os esquilinhos
esses feiticeiros alegrinhos
movimentam seus olhinhos e rabinhos divertidos
com o instinto de quem insiste
descobrir em seus planos futuros
belos e graciosos passeios.
Anna Dulce Pelajo
gigante de belíssimas formas
delicada paisagem frente ao mar
esse movimento parado
a flor, o cheiro, a cor
o feitiço inacabado
o sabor
a ardência dos contornos
o humor de mil e uma noites
romance, cativante gigante.
Anna Dulce Pelajo
Atualidade é reflexo
de um tempo inquieto
sem tempo pra conversa
risadas e serenidades
nem aos domingos, relaxado
Atualidade é reflexo
de um tempo dependente
do poder de consumo
prisioneiro atraído
pelas carências do mundo
Atualidade é reflexo
do sem nexo do sexo, perplexo
forçado a não ser sincero
a se despir ou morrer
pela propaganda maciça
de apelos indigestos
Atualidade é objeto
em fase de exaustão.
Anna Dulce Pelajo
todas as vezes que você me necessita
eu te necessito mais ainda:
força delicada de um dueto continuado.
Anna Dulce Pelajo
oh! acaso sem resposta
sempre a conviver
com nossa dúvida forte.
Anna Dulce Pelajo
Deus revela
chamas acesas
contornos e delicadezas
num universo disperso em luz elétrica.
Anna Dulce Pelajo
o sereno amante das flores
camuflado de orvalho
anoitece paixão e orgasmo
em antiga história de amor
amam-se noites inteiras
e tal qual Romeu
quando o sol amanhece
abandona lindas Julietas
gotejantes e mágicas
a sonhar e embelezar o dia.
Anna Dulce Pelajo
o descuido não morreu
na aparência
já vivia como defunto
camuflado na impotência.
Anna Dulce Pelajo
crepúsculo
singular convite
instante próximo ao infinito
recompensa, gozo ou evidência
do sol
perpetuando o entardecer.
Anna Dulce Pelajo
ah, este suor permanente
que dos poros inflamado
quente, indolente
escorrega disfarçado
vibra, energiza e consola
o calor insano
deste verão gabola.
Anna Dulce Pelajo
glorifico a sombra
da mangueira secular
- triunfante e mansa -
na sua quieta possibilidade
de agradar.
Anna Dulce Pelajo